Santo Ivo
“O maior dos advogados sabe não
poder nada frente ao menor dos juízes; entretanto, o menor dos juízes é aquele
que o humilha mais”. Com essa frase tão perturbadora, tão contemporânea, o
imortal Francesco Carnelutti, um dos mais célebres juristas italianos de todos
os tempos, brinda-nos em sua obra, narrando, em carne viva, todas “As Misérias
do Processo Penal”.
O opúsculo aborda o juiz, o
Ministério Público, o réu, o advogado; enfim, todos os atores do processo
penal; mas hoje, falaremos apenas daquela profissão que goza pouco, para dizer
pouco, da simpatia popular.
O advogado trabalha,
permanentemente, “sob o signo da humilhação”. Quantas e quantas vezes, nesses
tantos anos de labuta, presenciei os mais abjetos desrespeitos e
constrangimentos contra esse profissional, que tem por mister defender o
direito de todos nós!
As pessoas tendem a generalizar e
as generalizações são, invariavelmente, injustas e terríveis. Como se todo e
qualquer advogado fosse “picareta”. Pior ainda, como se só houvesse picaretagem
na advocacia. Mesmo nas instituições que formam, em conjunto com ela, o tripé
da justiça (Ministério Público e Magistratura), também há coisas erradas.
Até mesmo na Igreja, onde deveria
haver apenas santos, apenas pessoas devotadas a fazer o bem e a semear a obra
do Salvador, os jornais nos dão conta dos atos mais escabrosos! A história,
recente e remota, está recheada de exemplos, a envolver, inclusive (em se
tratando de tempos mais antigos), até mesmo o Sumo Pontífice!
Com efeito, houve um papa que teve
o seu próprio bordel no Vaticano (João XII; 955-964), sem falar que cegou um
cardeal e castrou outro. Já Inocêncio III, que comandou a Igreja Católica no
período de 1198-1216, foi o instigador da cruzada contra os hereges cátaros e
responsável, assim, pela morte de cerca de um milhão de pessoas. Isso para não
falar no célebre caso envolvendo os Bórgias, cujo papa mais famoso (Alexandre
VI, 1492-1503), teve oito filhos de várias amantes.
Há exemplos bizarros. No episódio
que ficou conhecido na história como o “sínodo do cadáver”, o Papa Estevão VII
ordenou o julgamento póstumo do Papa Formoso, na altura morto há nove meses. O
réu (o cadáver) foi desenterrado e conduzido ao extravagante tribunal,
presidido pelo próprio Papa Estevão VII, que lhe lançava os insultos mais
grosseiros. A defesa do morto ficou a cargo de um diácono de apenas 18 anos de
idade. O pontífice morto foi condenado e teve todos os seus atos e ordenações
declarados nulos e sem efeito. Os três dedos que ele usara para as bênçãos (ou
o que restara deles ao fim de nove meses de decomposição) foram arrancados,
assim como suas vestes papais. O corpo, assim desonrado e enterrado em uma vala
comum, foi de novo exumado e arrastado pelas ruas de Roma e atirado ao Tibre,
com pesos amarrados.
Não se menciona esses exemplos
extremos para afastar quem quer que seja da Igreja Católica ou de qualquer
outro credo. Aliás, num mundo desigual e materialista, onde as pessoas estão
cada vez mais afastadas da bondade e do amor incondicional, um pouco de religião
de certo que não fará mal a ninguém!
Os exemplos envolvendo aquela que
é – ou deveria ser – uma das mais insuspeitas Instituições em todo o mundo e
que, por isso mesmo, deveria possuir, em suas fileiras, apenas pessoas de bem,
servem para demonstrar que, até no Vaticano, os atos mais abjetos foram
praticados ao longo de sua milenar história. Uma pessoa, por mais santa
que seja, é imperfeita por excelência.
Assim, as pessoas deveriam
enxergar o advogado com maior boa vontade.
Os membros do MP e,
principalmente, os magistrados precisam se conscientizar – e orientar suas
ações neste sentido – de que do outro lado também há um profissional; também há
alguém que “colabora para a administração da Justiça”; também há um ser humano!
Com todos os seus vícios e virtudes, receios e sonhos. Ser humano – na acepção
mais própria do termo.
Dia 11 de agosto é Dia do
Advogado.
Também é Dia do Estudante. A
propósito, “sábio não é quem ensina, mas quem aprende”. Os estudantes precisam
saber que o futuro do país está nas mãos deles – e também orientar suas ações
neste sentido. A considerar, como muitos consideram, a educação como o mais
efetivo mecanismo para verdadeiro crescimento e evolução de um povo, atreve-se
a dar um conselho a todos os estudantes, citando Einstein: “o estudo
deveria ser visto como um dom inestimável, nunca como uma obrigação – penosa”.
É bom que o dia do advogado
coincida com o dia dos estudantes. Advogados não sabem tudo, assim como os
membros do MP e os juízes, por mais sábios que possam ser. Todos eles, todos
nós somos eternos aprendizes. Nossa maior – e melhor – professora é a vida.
Viver intensamente, viver para servir, fazer o bem às pessoas; a eterna lição a
ser apreendida.
Caminhando para o final e voltando
à obra de Carnelutti, que verdadeiramente inspirou essas linhas, o jurista
peninsular sustenta que a antipatia contra os advogados decorre também do fato
de eles se sentarem no último degrau, ao lado do acusado. As pessoas não
entendem que por pior que seja a pessoa do réu e por mais terríveis que sejam
os atos que, eventualmente, tenha cometido, ele precisa ser defendido e essa
defesa tem que ficar a cargo de um advogado!
Nos casos mais extremos, não raro
apimentados por setores da imprensa, ávidos em “ver o circo pegar fogo”, o
próprio advogado passa a ser alvo até de ofensas e insultos de populares, como
se corréu fosse!
Mesmo aquele a quem se acusa do
mais horrendo crime precisa ser, adequadamente, defendido. Adequadamente
defendido por um advogado. É bom que seja assim. Para o bem de todos nós. A
história registra que vários foram os atos hediondos imputados a inúmeras
pessoas cuja acusação era falsa e improcedente. E se fosse um filho nosso
falsamente acusado de ter cometido o maior desatino? Não desejaríamos que ele,
ao menos, tivesse a chance de se defender e tentar provar sua inocência? E se
ele fosse inocente?
(Dedicado a uma jovem e vibrante
advogada, que reúne as duas mais importantes virtudes do profissional do
Direito (e, provavelmente, de qualquer área do conhecimento humano): a ética e
a diligência. Tão predestinada a ser o que é, ela nasceu, exatamente, no dia em
que se comemora a profissão dos protegidos de Santo Ivo, Patrono dos
Advogados.)
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