As Eleições e os Candidatos que não Deveriam Ser
Por
Reginaldo Trindade[1]
Rondônia
está em festa. O país inteiro está.
É a
Festa da Democracia, onde todos os cidadãos, movidos pelo bem maior da nação, reúnem-se,
em grande júbilo, para escolher as pessoas mais aptas e capazes para ocupar os
mais relevantes cargos do país. Seja lá o que isso queira dizer ou mesmo como
se queira interpretar.
É
uma festa diferente, onde não se serve salgadinho ou refrigerante, porque o
dono da festa (o TSE – ou o Congresso Nacional, se preferirem) não permite.
Não
se escreve para falar da festa em si, mas daqueles que participam dela.
Na
verdade, o dono efetivo da festa é o povo e há algumas pessoas que não são
bem-vindas à comemoração. Ou, ao menos, não deveriam ser – especialmente nos
papeis mais importantes.
Direto
ao ponto, existem candidaturas que são verdadeiras aberrações, ainda que não
enquadráveis diretamente na Lei da Ficha Limpa.
Por
exemplo, há uma famigerada deputada estadual, candidata à reeleição, que,
embora (ainda) não seja ficha suja, esteve envolvida nas últimas principais
grandes operações ministeriais/policiais.
Suas
ligações com pessoas de pouca índole (para dizer o mínimo) são quase umbilicais.
As suspeitas (outro eufemismo) sobre a sua conduta são tão fortes que até a
Assembleia Legislativa resolveu afastá-la de suas funções neste ano.
Ela e
muitos outros compõem um grupo de pretendentes que, à falta de um nome mais
sublime, chamarei de candidato “cara-de-pau”.
Em todo o
país, em todas as eleições existem candidatos “caras-de-pau”. Para ficar apenas
com os mais célebres, Maluf em São Paulo e Arruda no Distrito Federal.
São
candidatos que, a despeito de ostentarem uma longa ficha de desserviço ao país,
mesmo assim insistem em concorrer.
Em
Rondônia, um dos candidatos ao Governo “se tornará ficha limpa” às vésperas da
eleição. Ao que tudo indica, o pleito pode ser decidido numa discussão técnica
acerca da condição dele, esquecendo-se, todos (ou a maioria), de que ele foi
acusado e condenado, mais de uma vez, em várias e diferentes instâncias, pelo
maior crime eleitoral já acontecido no Estado.
Maior e
mais hediondo crime eleitoral de toda a história de Rondônia. Seja pela
dimensão, seja pelas pessoas envolvidas, seja pela forma escancarada e
deslavada como foi praticado (depósito em conta corrente!), seja pelo número de
votos comprados (quase mil eleitores – isso para ficar só com os números em que
houve prova cabal e incontestável).
Alguns
poderão retrucar que ele já terá cumprido sua pena e, por isso mesmo, tem
direito a voltar a conviver normalmente em sociedade e a provar que está
totalmente ressocializado, demonstrando que é uma nova pessoa, um cidadão de
bem, que pode conviver entre todos, enfim.
Concordamos.
Temos que concordar, sobretudo porque a Constituição, via de regra, não tolera
penas perpétuas. Nessa compreensão, pervertemos até o entendimento popular de
que pau que nasce torto, morre torto.
No
entanto, muitas dúvidas razoáveis podem ser opostas a essa pretensão
aparentemente legítima.
Primeira,
o fato de que o candidato terá cumprido a sua pena não significará dizer que já
terá se redimido do crime ou mesmo dele se arrependido.
Segunda,
e mais relevante, é no mínimo temerário testar a redenção dessa pessoa
alçando-a ao cargo mais elevado do Estado.
E se ela
não estiver ainda ressocializada? E se teimar reincidir no crime?
Façamos
um paralelo. Você contrataria um ex-presidiário para trabalhar em sua
residência? Um ser humano de bem, despido de preconceitos e que acredita que
todos nós podemos nos redimir dos nossos erros, provavelmente sim. Tomando alguns cuidados, naturalmente.
Um
ex-condenado, normalmente, reconstrói sua vida lá de baixo, fazendo atividades
bem modestas. Toda a honorabilidade de que desfrutava antes do crime sucumbe
com a prática ilícita e, então, ele tem que demonstrar, dia a dia, por tempo
razoável, que é um novo homem, merecedor da confiança de todos.
O
político que trai a confiança do povo assassina a esperança de todos por dias
melhores. O crime
é muito mais grave, porque atinge toda a coletividade.
Assim, se
quer retornar à vida política, o mínimo que deveria fazer é reconstruir sua
trajetória, retornando ao início, com atividades bem humildes, não como
Governador de Estado!
As
pessoas tendem a se preocupar com as suas próprias vidas e pouco ou nada quando
se trata do bem comum, do interesse público. Tomamos cuidado para empregar um
ex-presidiário (quando empregamos!), mas não estamos nem aí quando vamos eleger
uma pessoa a um cargo político.
Essa
inversão de valores, essa preocupação só com o próprio umbigo, pode condenar
Rondônia a continuar sendo exatamente como tem sido: vergonha nacional em se tratando de parte considerável da classe
política.
Há lógica
e razoabilidade em eleger Governador uma pessoa que foi recentemente cassada
porque comprou votos para conquistar o cargo de Senador?!
Feliz ou
infelizmente, votar é um exercício de lógica, máxime porque, diante da
multiplicidade de candidatos e de propostas, temos que eliminar (do rol dos
elegíveis) aqueles que não são merecedores da nossa escolha.
Assim,
que o pretenso candidato prove que é
uma nova pessoa subindo, de novo, toda a escada da cidadania, começando pelo
primeiro degrau, não pelo topo!
Existem
outras situações curiosas, por assim dizer, nestas eleições.
Determinada
autoridade/celebridade, ficha suja, não pode concorrer e, então, coloca a mãe,
o filho ou qualquer outro parente próximo (ou mesmo não tão próximo assim) para
concorrer no seu lugar – invariavelmente hipotecando-lhe todo o “prestígio” e,
não raro, realçando a virtude do apadrinhado: “Esse é ficha limpa. Podem votar
que eu garanto!” Um sujo atestando
um – talvez – mal lavado.
A esse
propósito, são muitos os exemplos em Rondônia.
Há uma “célebre”
família mesmo que conseguiu a proeza de ter dois dos mais ilustres membros do
clã presos (isso mesmo, presos!) simultaneamente, no exercício do mandato.
Essa
eloquente circunstância, no entanto, não impediu que vários parentes da
referida “dupla dinâmica” concorresse nestas eleições.
Nossa
opinião, pesa dizer, é clara como a luz do dia: entendemos que parentes de ficha suja, normalmente, não deveriam receber
nossos votos.
Não que
se queira generalizar e fazer inocentes pagar pelo crime dos outros. Não que se
queira que a pena vá além da pessoa do condenado.
É que,
não raro, o parente vai ser alçado à condição de legislador (ou mesmo
governante) para continuar a “obra” da tal “autoridade” que foi banida
da vida política. O parente provavelmente vai ser marionete...
E a lista
de “penetras” na festa da democracia prossegue. Ela é enorme, tamanho o descaramento das pessoas
interessadas em permanecer no poder. Ou alcançá-lo novamente. Ou até mesmo
aumentar o poder que atualmente possuem, ocupando um cargo mais elevado.
Na
Assembleia Legislativa mesmo praticamente todos são candidatos à reeleição,
alguns dos quais estiveram recentemente envolvidos nas situações mais
cabeludas.
Até mesmo
na Câmara de Vereadores uma parte significativa de seus membros quer alçar voos
mais altos, pretensamente para “servir mais à sociedade”. Todavia, o
passado recente de pelo menos um se agiganta como uma montanha de dúvidas
acerca do real propósito a lhe mover a pretensão.
Refere-se
a um vereador em especial, que há pouco mais de ano estava até preso, envolvido
na Operação Apocalipse, e, agora, quer deixar a vereança e se transformar em
deputado federal.
Aliás,
alguns deputados estaduais também foram envolvidos na mesma operação. A já
referida parlamentar estadual, como sempre, estava entre eles.
Novamente,
os mais conservadores dirão que eles não foram condenados ainda; que podem ser
inocentes; que, enquanto não forem condenados, não podem ser havidos como tais.
Ora, quem
disse que a presunção de inocência se presta a tanto? Quem disse que esse
princípio, muito comum e adequado no processo penal, é lei no mágico e sagrado
momento na cabine eletrônica de votação?
Se as
pessoas foram presas ou mesmo processadas significa que, no mínimo, duas
instituições distintas concluíram que há elementos razoáveis acerca da
responsabilidade delas. Quando menos, uma instituição pediu (a polícia e/ou o
Ministério Público) e outra concedeu (a magistratura).
Onde há
fumaça há fogo. Em caso de dúvida, porque nós temos que votar justamente
naqueles que podem não ser os
mais adequados para nos representar?
Lembre-se
que votar é um exercício (também) de precaução. Temos
que ter máximo cuidado na escolha; do contrário, serão mais quatro anos de
trevas e roubalheira. No mínimo. Ganharão
os desonestos. Perderemos todos nós.
Mas essas
pessoas ficarão eternamente impossibilitadas de concorrer? Insistem os
bajuladores/indiferentes, digo, conservadores. Não, de modo algum! Elas podem
(e devem) provar que são inocentes e, após, se habilitam novamente em outros
pleitos. A cada dois anos nós temos eleições no país.
Outros
poderão dizer que, se for levar a ferro e fogo, não sobrará ninguém. Sobra sim.
Temos mais de 500 candidatos registrados em Rondônia. A maioria não ostenta um
passado (recente) tão tenebroso.
Logo, é
plenamente factível depurar a escolha, banindo de nossas pretensões todos esses
sobre os quais pesam dúvidas, maiores ou menores, acerca de que se podem
(devem) ser merecedores de nosso sufrágio.
Caminhando
para o final, em uma lista tão seleta não poderia ficar de fora um ex-prefeito
de Porto Velho, que fez o que fez na recente administração da Capital e cujo
cartão postal (um deles) está ainda estampado e escancarado nos principais
pontos de acesso à cidade (isso mesmo, os viadutos!!!!).
Acreditamos
desnecessário relembrar tudo que ele e os seus principais assessores praticaram
em oito anos à frente do executivo municipal.
Na
verdade, deixemos que a cidade, completamente devastada pelo tsunami da
ganância humana, fale por nós. Uma imagem vale mil palavras. No caso da
combalida capital rondoniense, temos muitas imagens...
Engraçado
que ele escolheu um curioso slogan ou lema de campanha: “Seguindo em frente”.
Ele quer
seguir em frente como se nada tivesse acontecido. Como se a maioria dos seus
secretários não tivessem sido presos há menos de dois anos. Como se ele próprio
não respondesse a várias ações judiciais (só na Justiça Federal são, pelo
menos, cinco ações denunciando corrupção), em algumas das quais está até com os
bens bloqueados.
Se ele
vai seguir em frente ou não depende de nós. Só de nós.
Curiosamente,
à semelhança, há um outro candidato que ainda tem a desfaçatez de usar, como
lema de campanha, o seguinte: “Quem trabalha não tem defeito”. Como se quem
trabalhasse pudesse roubar ou matar.
Quem
trabalha tem defeito sim!!!!!
Aliás, a essa máxima, que só deveria
convencer bajuladores e os mais estúpidos, ousamos propor outra: “Quem rouba o
patrimônio público pode até ter todas as qualidades do mundo. Não serve para
nos representar!!!!!”.
Quem
mexe no dinheiro público tem um defeito de nascença. Tem um vício intrínseco,
como os mais letrados no direito poderiam dizer, ou defeito congênito, em
linguajar mais próprio das ciências médicas.
Acho
que nasci no país errado. Eu deveria ter nascido na Suíça, Finlândia ou Japão.
Não que lá não exista corrupção. Todo lugar tem, por mais chique ou evoluído
que seja. Aliás, o que falta ao Brasil e a nós mesmos não é honestidade, mas vergonha
na cara.
Falta
vergonha na cara dos nossos “eternos” representantes e, sobretudo, falta
vergonha na cara de nós mesmos, que os elegemos em todos os pleitos.
Até
quando o cinismo vai imperar em Rondônia e mesmo no Brasil?
A missão
do cidadão de bem, ainda mais num país como esse, é não se conformar jamais.
Nunca perder a capacidade de se indignar com as coisas erradas. Ao menos isso.
E... votar bem!
Não temos ilusões quanto ao alcance de nossas
palavras. Sabemos o tanto que é difícil tentar levar cidadania e consciência a
uma sociedade nem sempre acostumada ou mesmo preocupada com esses conceitos aparentemente
vazios e sem significado.
Votar é muito mais do que “perder” um
domingo, interrompendo o churrasco ou a piscina, para ir à escola mais próxima
e teclar alguns números.
Para
finalizar mesmo, rogo, de coração que não acreditem em nada do que escrevi.
Duvidem de tudo. Investiguem por si sós. Pensem por si sós. Alguns poucos
cliques na internet devem servir para trazer luzes à escolha de cada um.
Não confiem no sorriso, na lágrima ou no
discurso – por mais eloquente que seja. Acreditem apenas nas ações.
Caro leitor/eleitor, ninguém saberá em quem
você votou. Mas, todos nós amargaremos as consequências de uma escolha infeliz.
Votem com responsabilidade. É hora de verdadeiramente lutarmos e agirmos por um
Brasil melhor! Nada terá sido mais importante
na vida política de cada um.
(Serão
muitas as críticas acerca de pretensa generalidade do texto ou mesmo
supostamente por tentar lançar lama na honra de alguns candidatos. Embora alguns
dos pretendentes mereçam até mais que isso, certo é que a história registra que
muitos colheram dissabores apenas por tentar semear a verdade e ajudar a
sociedade. Conquanto não desejemos os reveses, o fato de que estaremos muito
bem acompanhados conforta-nos demasiadamente.)
[1]
Procurador da República. Ex-Procurador Regional Eleitoral. Responsável, no
Estado de Rondônia, pela Defesa do Povo Cinta Larga. Especialista em Direito
Constitucional.
***Link: http://amazoniaviva.zip.net/
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